Jan Amos Comenius: a Didatica Magna e a educação universal.


O presente texto percorre um caminho de conhecimento sobre o criador da didática Jan Amos Komensky, dando a conhecer sua maior obra para a educação institucional, intitulada Didática Magna. Além de analisar o seu conceito de educação universal, chamado "Pampaedia".

  Para tal compromisso, se fez necessário uma pesquisa cautelosa aos estudos organizados desse intelectual. Como a utilização do livro “Jan Amos Comenius” de Jean Piaget da coleção Educadores Mec, que surgiu da necessidade de se colocar à disposição obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes na história da educação. Assim como o acolhimento de referências significativas, que visam os estudos de Comênio e sua contribuição para a reforma educacional no século XVII.

  Desse modo, começaremos pela biografia de João Amós Comênio, analisando sua trajetória de vida e o período histórico em que viveu. Logo após estudaremos a Didática Magna, evidenciando sua importância e seu objetivo. Em seguida, faremos uso do texto titulado – “Pampaedia: educação universal”, que se encontra dentro da obra de Piaget. Onde tal exposição textual nos dirá que a “Pampaedia” faz parte da deliberação universal acerca da reforma das coisas humanas, que engloba vários projetos de Comênio para a melhoria do mundo. Entre eles, o mais importante seria o de mudar a Educação. 

  Adiante, analisaremos a compreensão dos termos utilizados por Comênio para se referir à totalidade como proposta de ensejar a todos os seres humanos uma Educação integral, que permita o pleno desenvolvimento de suas capacidades. Por fim, será apresentado os instrumentos universais, os quais precisam ser utilizados para o alcance da Pampaedia.

JOÃO AMÓS COMÊNIO (1592-1670



  Em tcheco, Jan Amos Komensky; no latim, Iohannes Amos Comenius; em língua portuguesa, João Amós Comênio. Ele foi um grande estudioso da História da Educação, destacando-se principalmente nos estudos da Didática. Nasceu na cidade de Nivnice, na Moravia, região da Boêmia, atualmente chamada de República Tcheca e Polônia, no dia 22 de março de 1592. Comênio faleceu em 15 de novembro de 1670, na cidade de Amsterdã, na Holanda, em decorrência de intensas perseguições sofridas, em seus 78 anos de existência, nos inúmeros lugares que habitou (OLIVEIRA; COSTA, 2012).

  Teólogo, filósofo e educador, João Amós Comênio possui uma história de vida muito singular, e destacou-se pelo seu brilhantismo como educador, principalmente, após a reforma educacional, que culminou na implantação de métodos diferenciados para o ensino das disciplinas de Artes e de Ciências. Sua inquietação, sobre a melhor forma de ensinar e aprender, surgiu nos estudos de Latim, em que os estudantes eram forçados a estudar de forma desordenada e distante da realidade. Após dois anos trabalhando como pastor e educador na Morávia, Comênio transferiu-se para Fulnek, em 1616, onde casou-se com sua primeira esposa, Madalena Vizovska, com quem teve seus dois primeiros filhos. No entanto, em 1621, o exército dos espanhóis invadiu a cidade de Fulnek em virtude da guerra dos 30 anos, causando duas grandes perdas: a primeira se refere aos seus livros e manuscritos e a segunda, à sua esposa e filhos, que morreram vítimas da peste. O que fez o intelectual reiniciar a sua produção e abandonar a sua pátria e passou por vários países, divulgando as suas ideias. Em destaque estão as localidades de Lezno, Suécia, Londres, Transilvânia, Hungria e Amsterdã.

  Portanto, podemos afirmar que: Comenius foi o fundador da didática e, em parte, da pedagogia moderna. Mas foi, ainda, um pensador, um místico, um reformador social, personalidade extraordinária, em suma. Seu nome figura ao nível de Rousseau, Pestalozzi e Froebel, isto é, dos maiores da educação e da pedagogia (COVELLO, 1991, p.9).

A VIDA ACADÊMICA DE COMÊNIO


  Apesar de sua história, Comênio teve uma vida muito produtiva. Começou seu desempenho educacional em 1608, aos 16 anos, quando se matriculou na escola secundaria de Prevov, onde se destacou como um bom aluno. Alguns anos depois, iniciou sua carreira acadêmica, destacando-se em Hebron, por volta de 1611, onde se preocupou em escrever um dicionário com expressões elegantes de sua língua materna, intitulado Tesouro da Língua Boêmia, cujo conteúdo descreve a gramática completa da língua tcheca.

  No ano de 1614, Comênio foi designado reitor da escola de Prerov, comunidade Morávia. Nesse período se destacou e foi notadamente elogiado pela inclusão de atividades ao processo de ensino que anteriormente não eram utilizadas, como conversas, músicas e jogos, tornando a escola um espaço agradável. Com isso, eliminou da escola os castigos corporais, muito utilizados naquele período.

  Em 1616, estabeleceu-se em Fulnek, onde atuou como pastor morávio. Em 1623, durante sua estadia em Brandeis, escreveu O labirinto do mundo e o paraíso do coração, para consolar os que haviam sobrevividos à guerra, a fim de que pudessem encontrar alento em Cristo e não nos bens materiais; foi uma de suas obras de maior valia.

  Suas obras pedagógicas apareceram somente no período de 1630 e 1633: a Didática tcheca; Informatorium Skóly Materké (que se traduz por Guia da Escola Materna); Janua Linguarum Reserata (traduzido por Porta aberta das Línguas) e a Didática Magna, a obra mais importante para a educação. Esses escritos foram desenvolvidos tanto para professores, quanto para alunos. Aos professores era indicado o aprender a fazer e, a partir disso, fundamentar a prática em uma sólida teoria; aos alunos era preciso aprender a aprender (LOPES, 2008).

  Já em 1642, a fim de ajudar a Suécia e melhorar o seu estudo do latim, é encomendada a Comênio, pelo Chanceler Oxenstiern, a escrita da obra Methodus Linguarum Novíssimo ou Método das Línguas, publicada em 1947. Essa é a principal obra sobre os estudos dos idiomas escrita por Comênio, que possuía uma grande preocupação com os estudos comparativos das línguas, chegando a traçar regras para a tradução de textos (LOPES, 2008).

  A convite do príncipe Sigismundo Rákoczy, em 1650, Comênio assume uma escola na Hungria e nela permanece por quatro anos. Nesse período, escreve a obra Mundo Ilustrado ou Sensível, que consiste na síntese da sua vasta experiência pedagógica, três objetivos: Reter a noção aprendida; Estimular a inteligência infantil e facilitar a aprendizagem da leitura.

  Devido à grande influência da religião na vida e na formação de Comênio, utilizava a Bíblia como fonte de sabedoria e como fundamentação para a sua filosofia. Em 1670, antes de sua morte, escreveu ainda um resumo dos princípios pedagógicos.

REFLITA: Após visualizarmos a vida e a obra de João Amós Comênio, você deve estar se perguntando: por que é importante saber a trajetória desse autor? Por que estudar a Didática Magna, texto escrito no século XVII?

PERÍODO HISTÓRICO EM QUE VIVEU


  Conhecer a trajetória da vida e da obra desse autor é importante para que possamos compreender em que período histórico ele elaborou seu método. Comênio teve uma vida muito conturbada, no entanto o momento histórico em que ele viveu foi tão conturbado quanto. Foi no decorrer dos séculos XVI e XVII que a história da humanidade sofreu grandes transformações, principalmente na Europa, tendo em vista o declínio do sistema feudal e a ascensão do capitalismo, um período marcado pelo abismo entre ricos e pobres.

  A educação escolar era restrita, destinada à burguesia e de caráter religioso. Mesmo assim, a metodologia utilizada era rígida, desordenada e distante da realidade dos alunos. Comênio foi um reformador e, apesar de ser um homem de seu tempo, pensou para além dele. O seu projeto era criar condições para que o homem pudesse se adaptar ao novo contexto produtivo a “construção de uma cidadania para todos, pobres, ricos, homens e mulheres de todas as idades, para que as pessoas todas experimentassem a libertação da ignorância e do sofrimento [...]” (AHLERT, 2002, p.450).

  Nesse período ocorreram intensas mudanças na forma de produção e no desenvolvimento da ciência e da cultura. O clero e a nobreza diminuíam, enquanto o poder da burguesia aumentava. Assim, na medida em que a burguesia se fortalecia como classe social, disputava o poder econômico e político com a nobreza. No mesmo ritmo, crescia a necessidade de um ensino que contemplasse o desenvolvimento da capacidade e dos interesses dos indivíduos (LIBÂNEO, 1994).

  Para Ahlert (2002), A Didática Magna se apresenta como uma proposta pedagógica para o processo de ensino e de aprendizagem no período de transição entre a Idade Média e o início da modernidade. Comênio considerava a educação um instrumento necessário às transformações sociais tão urgentes no período turbulento e conflituoso no qual viveu. Nesse sentido, a educação era o caminho para se chegar à libertação e salvação de todos.

A DIDÁTICA MAGNA

  A Didática Magna, escrita por Comênio e publicada em 1649 se destaca como uma das obras mais importantes da história da educação, consagrando seu autor como criador da didática moderna e um dos intelectuais mais importantes do século XVII. Por ter estudado em uma escola muito rígida, cheia de regras e com castigos violentos, Comênio foi capaz de perceber os vários defeitos que caracterizavam o método aplicado em seu tempo. Seu objetivo era que os indivíduos aprendessem para a vida, de forma que conseguissem se inserir na sociedade e fossem capazes de cumprir os seus deveres sociais.

Eles aprenderão, não para a escola, mas para a vida, de forma que os jovens tornem-se enérgicos, prontos para tudo, diligentes e merecedores da atribuição de qualquer um dos deveres da vida, e ainda mais, se tiverem acrescentado à virtude uma conversação suave, e tudo tiverem coroado com o temor e o amor de Deus. Torna-se-ão capazes de expressão e eloquência (COMÊNIO, 2001, p.200).

  Comênio concebia o homem tanto pelo seu lado humano quanto espiritual, tanto que faz uma proposta pedagógica que envolve ambos e que é referência nos estudos do processo de ensino, ou seja, da Didática. A Didática Magna, ou O Tratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos, define didática como:

O processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer Reino cristão, cidades e aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em siveiarte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade e, desta maneira, possa ser, nos anos da puberdade, instruída em tudo o que diz respeito a vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez (COMÊNIO, 2001, p.11).

  Portanto, a Didática é, ao mesmo tempo, um processo e um tratado que consiste tanto em um ato de ensinar, como na arte de ensinar. Por isso Comênio defendia sua máxima “ensinar tudo e todos”.

REFLITA: Você acredita que a máxima de Comênio “ensinar tudo a todos”, ainda se faz necessária nos dias atuais?

PAMPAEDIA: EDUCAÇÃO UNIVERSAL

 Para uma precisa interpretação da Pampaedia: Educação Universal, texto titular da análise que Jean Pieaget produziu em seu ensaio “Jan Amos Comenius” sobre o autor tal, devemos encontrar a grande defesa que esse intelectual assume. O que diz respeito ao direito universal da educação igualitária para todas as pessoas, de todos os povos e de qualquer condição. Desse modo, o Comênio tinha dois grandes projetos: I - a Pansofia (sabedoria do todo): um sistema de conhecimento universal da filosofia, que após o seu uso haveria harmonia entre o mundo interno humano e o externo da natureza; II - e a Pampaedia (ensino para todos): um processo estratégico para conseguir uma reforma global das coisas humanas e um mundo perfeito através da educação. O próprio Comênio nos indica a essência da Pampaedia:

Nela se delibera acerca da educação universal dos espíritos e acerca do modo de realizar as ações de toda a vida dentro dos limites da razão, para que a mente de cada homem, (ocupada agradavelmente através de todas as idades) se possa tornar um jardim de delícias. (...) Tendo isto em consideração, será possível dar uma definição mais precisa de Pampaedia: é o caminho aplanado através do qual a luz pansófica se difunde pelas mentes, pelas palavras e pelas ações dos homens. Ou ainda, é arte de transplantar a sabedoria nas mentes, nas línguas, nos corações e nas mãos de todos os homens (COMÊNIO, 1971, p.31 e 41).

 Entre os gregos, com efeito, “paideia” significa a instrução e a educação em que os homens são formados; e “pan” significa universal. Pretende-se, portanto, que Omnes, Omnia, Omnino sejam educados, isto é, que todos sejam educados em todas as coisas e totalmente (PIAGET, 2010, p.102).

 TODOS, EM TODAS AS COISAS, TOTALMENTE

  Como exposto na introdução, ensinar tudo a todos totalmente não é um devaneio, mas uma proposta de ensejar a todos os seres humanos uma Educação integral, que permita o pleno desenvolvimento de suas capacidades. Ademais, devemos entender por “totalidade” pela compreensão de Comênio, como aponta Piaget:

a) “Todos”, isto é, todas as nações, Estados, Famílias e pessoas sem exceção. (...) pois todos são homens que têm diante de si a mesma vida eterna e o mesmo caminho, divinamente indicado, para a atingir, embora semeado de armadilhas e obstruído por obstáculos vários.

b) “Todas as coisas”, isto é, a educação universal diante a ligação do homem à imagem de Deus, ou tudo aquilo que pode tornar o homem sábio e feliz. (...) Que coisas são essas? São as quatro coisas que o sábio Salomão recomenda, citando quatro pequenos animais sapientíssimos: I - A previdência das coisas futuras, que louva nas formigas; II - A prudência nas coisas presentes, para que nada se faça a não ser por processos seguros, que observa nos coelhos; III - A tendência para a concórdia, sem imposição coativa, que louva nos gafanhotos; IV - Para que, finalmente, tudo aquilo que se faz, mesmo as ações indiferentes, seja harmônico, regular, sistemático, como acontece com o trabalho da aranha.

c) “Totalmente”, isto é, sejam educados para a verdade, pela qual cada um, retamente formado, escape aos precipícios do erro e do acaso, seguindo os caminhos da retidão. Com efeito, atualmente, são poucos os mortais que se apoiam no seu próprio fundamento ou no fundamento das coisas; a maioria segue o seu instinto cego ou deixa-se guiar pelas opiniões dos outros. Mas, como essas opiniões estão em completa divergência entre si e com as coisas, acontece que são constantes as hesitações, as escorregadelas, os desequilíbrios e as quedas. Se se procura um remédio adequado para este mal, não poderá ser senão este: que todo o homem aprenda, saiba e possa totalmente seguir, não a plúmbea regra de qualquer hábito cego ou preconceito, mas a norma adamantina de Deus e das coisas.

 Portanto, Comênio propõe que todos os homens sejam desde já iniciados na educação universal em todas as coisas para que se tornem totalmente cultos.

PRETENSÃO DA PAMPAEDIA

 Pretende-se com essa educação universal, que todos os homens: I – sejam instruídos com o conhecimento da vida futura, tenham o desejo dela e sejam bem orientados pelos caminhos que a ela conduzem; II – sejam ensinados dentro dos limites da prudência os negócios da vida presente de modo que, mesmo neste mundo, todas as coisas estejam (o melhor possível) em completa segurança; III – aprendam de tal modo a caminhar pelos caminhos da concórdia que não se percam perigosamente na viagem deste mundo e na da eternidade, mas possam, pelo contrário, reconduzir à concórdia os outros dissidentes; IV – e finalmente que os seus pensamentos, palavras e ações sejam animados de tal zelo que estas três coisas se encontrem numa harmonia tão completa quanto possível.

 INSTRUMENTOS UNIVERSAIS

Para que o ideal de educação universal de Comênio alcançasse sucessão, seria preciso fazer uso de três instrumentos universais, são eles:
I - Panscolia – escolas universais, como oficinas de cultura;
II - Pambiblia – livros universais, como instrumentos universais de cultura;
III - Pandidascalia – professores universais, que ensinem todos, em todas as coisas, totalmente.

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Escrito por João Lucas Almeida do Nascimento. 
Acadêmico do curso de Filosofia da Universidade Federal do Amapá.
email: jlucasalmeida255@gmail.com

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REFERÊNCIAS

PIAGET, Jean. Jan Amos Comênio; tradução: Martha Aparecida Santana Marcondes, Pedro Marcondes, Gino Marzio Ciriello Mazzetto; organização: Martha Aparecida Santana Marcondes. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 136 p.: il. – (Coleção Educadores MEC).

AHLERT, A. O mundo de Comênius: entre conflitos e guerras, uma luz para a prática pedagógica. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 32, p.439-451, out. 2002.
BIASENTTI, S. Uma visão histórico-teológica de Jan Amos Komenský: Pai da didática moderna, segundo a ética protestante da Instrução, virtude e piedade. 2017. Disponível em:https://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170503115121.pd. Acesso em: 26 fev. 2023.

COMÉNIO, J. A. Pampaedia: educação universal. Casa do Castelo: Coimbra, 1971.

COMENIUS, I. A.. Didactica Magna. Introdução, tradução e Notas de Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

COVELLO, S.C. Comênius: a construção da pedagogia. São Paulo: SEJAC,1991.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LOPES, E. P. O conceito de educação em João Amós Comênius. Revista Fides Reformata XIII. São Paulo, n.2, p. 49-63, 2008.

OLIVEIRA, A. S.; COSTA, C. J. Comenius e sua proposta didático-pedagógica dentro de seu contexto de produção. In: Anais da Semana de Pedagogia da UEM, v. 1, n. 1, 2012, p.1-13. Anais..., 2012. Disponível em: <http://www.ppe.uem.br/semanadepedagogia/2012/pdf/T3/T3-005.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2023.

Didática. Camila Tecla Mortean Mendonça; Suzi Maria Nunes Cordeiro. Maringá-Pr.: Unicesumar, 2019.

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